No terreno ainda árido da economia brasileira, uma das maneiras de viabilizar a missão de negócios de impacto e garantir sua permanência no mercado é fazer negócios com o governo. No mundo das siglas de business isto tem nome: B2G, ou Business to Government.

Para entender o cenário: ainda não há uma legislação ou certificação específica para impulsionar negócios de impacto no Brasil. Por enquanto, há dois projetos de lei em tramitação neste sentido, mas que devem demorar em torno de dois anos para serem aprovados. Uma das saídas, portanto, para o gestor público fortalecer a cena e gerar benefícios para a comunidade é comprar de produtos e serviços provenientes de Negócios de Impacto.

Para José Mario Brasiliense Carneiro, fundador da Oficina Municipal Escola da Cidadania e Política, ainda é preciso muito trabalho para este modelo se desenvolver com solidez.

“Do lado dos governos, há interesse e há uma noção de que isso pode ser uma coisa boa, mas precisa acontecer uma melhoria da cultura da política administrativa. Os negócios de impacto estão amadurecidos para fazer este tipo de parceria, mas a questão governamental ainda não”, opina Carneiro. “De fato, em um país com tanta corrupção e onde a relação do setor privado com o governo é tão promíscua, mesmo coisas boas tem muita dificuldade para conseguir ganhar um espaço.”.

Na prática, o empreendedor que deseja fazer B2G com eficiência precisa de alguma experiência para preencher editais, participar de licitações e lidar com a burocracia. Mas é uma das ferramentas à disposição para manter o negócio de pé e gerar impacto em escala.

B2G de impacto pelo mundo

Mundo afora, algumas experiências mostram que há espaço para melhorar a atuação brasileira tanto em termos de legislação, quanto de organizações da sociedade civil. O Reino Unido, referência no assunto, já incluía as empresas de impacto no seu plano nacional de governo de 2010 a 2015. Já na Coreia do Sul, em 2007, foi promulgada a Lei de Promoção de Empresa Social da Coreia do Sul.

Além disso, foram criadas instituições específicas para conectar negócios sociais e o governo. Uma delas é a australiana Social Traders, que reúne 600 empresas de negócios de impacto certificadas. Por meio dela, cria-se um relacionamento com quase uma centena de compradores do governo. O objetivo é gerar, até 2021, 1.500 empregos para australianos em condições desfavoráveis.

B2G de impacto no Brasil: experiência positiva

O tema entrou oficialmente nos planos do governo no fechar das portas de 2017, com a ENIMPACTO. Apesar de certo atraso, a boa notícia é que no Brasil já existem casos de transações B2G com negócios de impacto espalhados por prefeituras do país todo.

Um recente levantamento feito pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) em parceria com a Oficina Municipal encontrou 12 empresas que já assinaram contratos com governos municipais. Entre elas está PlayMove. A empresa criou a Play Table, uma mesa digital com games educativos que auxilia no aprendizado regular e especial de crianças de 3 a 12 anos.

Fundada em 2014, o primeiro passo da PlayMove junto a governos municipais foi em 2016, em uma escola municipal de Blumenau (SC). Para acompanhar o uso prático do produto, a empresa decidiu fornecer o equipamento para uma escola que era referência em educação de alunos especiais. A parceria já dura dois anos. Hoje, a solução tem cerca de 350 mil alunos usando-a semanalmente e está espalhada por 21 municípios, que firmaram contratos que variam entre 8 e 12 mil reais.

Apesar de trabalhar com escolas privadas, 55% dos seus clientes são de escolas do governo. Isso fez com que fosse preciso criar departamentos específicos de venda pública para lidar com a burocracia das licitações e reunir os documentos necessários para comprovar a geração de impacto.

“Realmente a parte de licitações é extremamente burocrática, mas eu entendo que deva ser assim, frente à situação atual do país, para evitar problemas”, compreende Cristiano Sieves, gerente de marketing e produto da Play Table. “Essa parte burocrática necessita bastante conhecimento de como funcionam as modalidades de licitação e é um trabalho demorado. Às vezes, leva mais de um ano para acontecer.”

Driblando a burocracia

Como era de se esperar, nem todas as experiências são tão produtivas como se imaginava. E foram a burocracia e o desgastante jogo de interesses políticos que fez com que a startup de educação Plataforma Juntos mudasse seu modelo de negócios.

A startup foi criada em 2014 por Julio Cosmo, um ex-funcionário da Nasa especialista em compressão de dados. Sua plataforma usa big data e inteligência artificial para auxiliar na educação de crianças da rede pública de ensino. Hoje, atende 42 mil crianças.

A Plataforma Juntos é capaz de oferecer ao professor um mapeamento sobre habilidades, dificuldades e o perfil da personalidade de cada aluno. “A gente consegue identificar exatamente qual o déficit do aluno e saber se essa dificuldade pode ser resultado de variáveis externas, como por exemplo, a falta de saneamento básico na casa em que ele vive. Isso faz com que as intervenções do professor sejam mais assertivas”, conta Luana Busche, diretora de desenvolvimento de novos negócios da empresa.

Em quatro anos de existência, a startup começou com um projeto piloto com os 1.200 alunos da cidade mineira de Itanhandu e fechou um contrato de 8 mil reais via licitação para atender todas as escolas do município de Bernardino Batista (PA). Mas as coisas não andaram como se esperava. “A burocracia e a falta de interesse político faz com que a gente tenha muita dificuldade de trabalhar com as prefeituras”, desabafa Luana. “Diante disso, e de uma necessidade corporativa que surgiu a Juntos passou por um spin off. A solução foi criar um produto similar, mas focado em empresas e a cada licença vendida a gente doa uma para a prefeitura da cidade”, conta Luana. O modelo se mostrou mais eficiente e já atendeu 26 Escolas Públicas de todo o Brasil.

Apontando caminhos

Para José Mario, da Oficina Cidadania, o cenário deve melhorar nos próximos 12 anos. “O que precisa acontecer é uma melhoria da cultura político-administrativa. E pode ser que a gente tenha uma surpresa nos próximos dois, três mandatos, de termos outros perfis de lideranças, com gestores mais engajados e a fibra ética sendo uma marca. Mas este é um olhar mais de esperança. O remédio para isso é mais participação da cidadania, mais vida comunitária, com todo o tecido social mais engajado, mais consciente”.

Às vésperas das eleições, as iniciativas de fomento no governo federal correm contra o tempo antes da troca de legislatura e de administração. E a possibilidade de compras governamentais está na mesa. Segundo o secretário de Inovação e Novos Negócios do Ministérido da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Rafael Moreira, o governo planeja ainda em 2018 lançar licitações-piloto para startups do setor de Tecnologia da Informação. A experiência pode evoluir para beneficiar o ecossistema de impacto, mais especificamente. Outra aposta é aprovar também neste ano a proposta de Sociedade Anônima Simplificada, além de ações que ampliem a oferta de capital por meio dos bancos públicos.

“Este é um tema emergente. Não está em um ranking de prioridade dos outros ministérios aqui na esplanada. Mas é um tema cool, diferente”, comenta Rafael. “Então o potencial dele continuar sendo debatido no governo [depois das eleições] é enorme. O engajamento do setor privado é importantíssimo para manter este momentum dentro do setor público.”

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